segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Fui olhar no espelho.

Esta noite certas coisas se revelaram. Coisas até então ocultas. Obscuras.
Coincidência ou não um pouco mais cedo conversava sobre o tempo.
O tempo. Esse fluxo contínuo de segundos, que quando nos damos conta já são dias, meses, anos.
Enquanto esperamos entediados por mudanças o fluxo prossegue.
E quando nos damos conta, elas já vieram, elas já se foram.
O tempo. Esse fluxo contínuo de segundos.
É agora.
Não, não é mais.
Está sendo...
Com o amanhecer vieram a tona mares de ondas turvas e águas sujas.
Águas sujas que trouxeram consigo para a areia o lixo que lhe foi dado no passado.
Garrafas. Velhos sapatos. Palitos de sorvete e cinzas. Cinzas quase imperceptíveis.
Cinzas das quais já havia me esquecido.
Quanta sujeira. Cegueira. Prostituição.
Não era eu mesma.
Um animal amedrontado e vazio pecando pelo excesso.
Excesso, barulhento, cego, escuro. Excesso.
Eu até que gosto do excesso. As vezes, por hora, se faz necessário.
Mas ainda mais necessário é o silêncio. A tranquila paz da madrugada solitária.
E nesta eu pude sentir o cheiro fresco da liberdade.
Sou eu mesma. Sou eu sim.
Fiquei curiosa - fui olhar no espelho - Fiquei espantada.
E não é que sou eu mesma?!
Fiquei feliz em me ver.
Lúcida. Sem maquilagem. Eu mesma.
Já estava com saudade.
Posso sorrir tranquila, enfim. Sou eu.
Quanto tempo.
Tempos difíceis. Truculentos.
Não consigo me lembrar claramente.
Mas esta noite me fui revelada. Que importa os tempos passados?
Quero é respirar esse cheiro fresco de amanhecer que me é dado. Agora.
E agora...
Quero me permitir. Quero leveza.
Quero a leveza do agora.
Quero me fazer companhia.
Não quero estar só.
Vou abrir a porta pra mim. Eu voltei!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Entre a submissa futilidade e a auto-afirmação.

Assunto de mulher. Coisa de mulher.
Entende? Pois eu não. Não entendo.
Uso o banheiro feminino. Não sempre.
O que para mim sempre foi mistério é o tal curvex. E também o O.b.
Me dão medo.

Não, eu não sou feminina.
Não me entupo de maquilagem e sorrio submissa.

Também não estou aqui fazendo um apelo feminista.
Depilo as axilas. Gosto de massagens diárias com creme hidratante.
Não acho que uma mulher precise tanto de um homem quanto um peixe de uma bicicleta.
Definitivamente não acho.
Gosto de pinto. E principalmente, gosto dos homens.
Tenho uma explícita preferência por eles.
Gosto do cheiro. Gosto da companhia.
Gosto do descuido. Me indentifico.
Não ganho na queda de braço.
Talvez consiga conquistar mais mulheres. Isso, faço. Se assim quiser.
Elas gostam de mim. Minha sensibilidade indiferente e despretensiosa as atrai.
Não, não torço pro time das meninas.
Não fico orgulhosa quando vejo uma reportagem sobre a Dona Maria motorista de ônibus a cinco anos em São Paulo e mãe de três filhos. Não fico. Não vejo porque deveria.
Como se ela devesse ser colocada num pedestal só por conta do sexo. É absurdo.
Ela deve ser aclamada por ser uma Mulher motorista de ônibus?
Isto me soa preconceituoso.
Vejo como ofensa.

Não, não sou feminista.
Não quero provar que sou mais forte e capaz. Não precisa.



Não sou feminina. Não sou feminista.
Sou fêmea.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Segmento de reta:

Estou sutilmente perdendo a graça. Eu custumava soar divertida.

Ímprobo, dói.

Dói.
É dor de leite materno.
É dor de maternidade.
Não é só dor.
Dói mais que dor.
E isso eu exito dizer, não me parece justo.
Justo me parece aceitar. Não submissa, forte que sou.
É amor. Não é só amor.
Dói mais que amor.
Não é escolha. Apenas é.
Me escapa por entre os dedos.
É fisiológico.
É alma também? é.
Mas carne também é.
É sangue. É placenta.
São os nutrientes, que sem que sem minha concessão são doados num ato orgânico de amor.
É o maldito cordão umbilical.
É o elo.
Desse amor insano, queima vivo, doentio.
Qual não se escapa.
Qual não se escolhe.
Dói.
Insuportavelmente, dói.
Deliciosamente.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Estou mais bicho do que nunca.

Sou. Instintivamente sou.
Estou mais bicho do que nunca.

Oscilo com a temperatura e com odor.
Não sei bem o que sou.
Não sei se sou certo ou sou errado.
E já me tomou muito tempo tentar descubrir.
Opto por conveniência não saber.
Pois não sei. Não sou.
Sou por descuido. Por distração.
Mas também sou por natureza. Feroz. Predadora.
Protejo minha prole.
Consigo meu alimento.
Esquiva. Cautelosa.
Mordo.
Não dou trela pra estranhos.
E com espontaneidade faço lamber e aconchegar os queridos.

Estou mais bicho do que nunca.

sábado, 25 de abril de 2009

Aquele olhar.

Entrou na sala de espera e eu era a primeira coisa que podia se ver.
De pé do meu lado, mechia no cabelo esperando que eu tirasse a bolsa do assento do sofá.
Distraída que sou, nem notei.
Só depois, quando cansado de esperar foi pro outro canto da sala e dispertou minha atenção.
Ficou de pé, discretamente me observando, curioso.
Eu retribuia o olhar, um pouco tímida.

Me olhava como se eu fosse única.
Parecia mesmo que o amor não é carnal.

Levantava, andava, sondava. Sentou.
Até que tomado por absoluta determinação, falou.

- Doeu pra fazer este seu piercing?
- Não - Respondi, seca.
- E tem como ver por dentro? - Continuou.
- Você quer ver? - Já abrindo a boca e contorcendo a bochecha com os dedos, pra que ele pudesse ver.
- Ah - Disse, franzindo o rosto pra demostrar a aflição.

Ficou me fitando, fitando meu rosto, admirando.

-E como é seu nome?
- Ana Júlia. - Respondeu prontamente uma outra, atravessando.

Ele olhando fixamente para mim.

- Eu? O meu? - Gaguejei.

Ele continuou olhando.

-Aymê.
-Aymê?
-Aymê!

O silêncio prevaleceu por um tempo, os dois olhando pra baixo.
Até que ele levantou e retomou, encostado na porta, corpo metade fora da sala.

-E qual a sua idade? - Voltou e se sentou.

Hesitei. Respondi.

- 18.
- Ah - Suspirou em tom de desesperança.

E decidiu se calar.
Eu questionei.

- E a sua?

Ele após um longo tempo de reflexão, suspirou forte e disse.

-9.

E saiu da sala.

Aquele olhar me intimidou. Me encantou.
Aqueceu. Como nenhum outro.

Por um breve momento acreditei no amor.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O Homem Aranha no globo da morte.

Esta é uma história muito muito triste.
Da nossa célebre trapezista sem os dedos dos pés.

Nossa personagem de hoje é uma jovem de 26 anos.
Trabalha no circo e recentimente descubriu que tem diabetes.
Não demorou muito tiveram complicações e a pobrezinha teve que amputar os dedos dos pés.
Todos eles. Um por um.

Eu não fiquei comovida. Mas soltei um 'tão jovem' quando vieram me contar.
Fui ágil e precisa. Era a melhor resposta que eu poderia ter dado.
E refletir em silêncio, que pelo menos ainda tinha os braços.

Não sei bem porque essas histórias chegam até mim.

Bom, o circo está na cidade e tem cachorrinho palmeirense, tem cachorrinho são paulino, e tem cachorrinho corinthiano!
Mais o povo gosta é da trapezista sem os dedos dos pés.
É o que faz as pessoas irem até lá. É a estrela da noite.
Tem trapezista sem os dedos palmeirense, são paulina e corinthiana.

Queria ver é sem os braços. Isso sim seria rock 'n' roll, baby.
Trapezistas sem os braços palmeirenses.
Trapezistas sem os braços são paulinos.
Trapezistas sem os braços corinthianos.

Trapezista sem os braços no globo da morte.


O fato é que o circo não é só pipoca e alegria não, minha gente.
O circo é maltratos a animais, arquibancada desconfortável, uma corja de palhaços sem graças com as piadas vencidas. Um bando de palhaços punheteiros.
Pobres cachorrinhos pintados de verde e branco.
Cheiro de merda. Cheiro forte de merda.
Trapezistas sem os dedos dos pés, fazendo de sua deficiência atração.

Circo é um bando de idiotas que pagam pra ver essas atrocidades enquanto enchem o cu de pipoca, acompanhados de seus rebentos, rindo e comendo feito animais.

Circo é um carro de som te acordando domingo de manhã, anunciando com entusiasmo o Homem Aranha no globo da morte. E apesar do tom de voz estridente e estusiasta, definitivamente não é mais empolgante que as minhas preciosas horas de sono.